Fichamento 2
NETO,J.M;ET AL. Fatores associados a atraso no diagnóstico da síndrome de Turner. Rev Paul Pediatr 2011;29(1):67-72
A síndrome de Turner (ST) é determinada pela presença de um cromossomo X e ausência total ou parcial do segundo cromossomo sexual, X ou Y, o que afeta a expressão ou regulação de genes neles localizados. No cromossomo X, a região crítica para o surgimento dos sinais da ST está no braço curto (Xp11.2 - p22.1). Incide em cerca de 1:2.500 nascidos vivos de sexo feminino; porém, entre meninas com baixa estatura proporcionada e bom desenvolvimento neuropsicomotor atendidas em serviço de Pediatria de hospital universitário, sua frequência sobe para 12,5%.
Os principais sinais clínicos são baixa estatura e disgenesia gonadal. Podem ainda ser observados vários dismorfismos, como implantação baixa de cabelos na nuca; estrabismo; ptose palpebral; palato ogival; micrognatia; pescoço curto; pescoço alado; linfedema no dorso de mãos e/ou pés; encurtamento de metacarpianos; deformidade de Madelung; cubitus valgus;genu valgum; escoliose e múltiplos nevos pigmentados; anomalias congênitas, particularmente cardiovasculares e renais; afecções adquiridas, como doenças tireoidianas, deficiência auditiva, hipertensão, osteoporose e obesidade e também problemas psicossociais.
A relevância do diagnóstico precoce da ST está em permitir também o diagnóstico precoce de anomalias congênitas e adquiridas e a instituição das medidas terapêuticas adequadas; permitir detectar casos com cromossomo Y no cariótipo, nos quais o surgimento de neoplasias gonadais pode ser evitado com gonadectomia profilática; além de permitir que tratamentos de promoção do crescimento e reposição de hormônios sexuais sejam feitos na idade adequada, evitandose danos adicionais à saúde dos pacientes.
No entanto, em muitos casos, o diagnóstico só é feito após o início da adolescência, quando caracteriza-se o atraso puberal em nosso meio, a média de idade ao diagnóstico é de 12 anos, com desvio padrão de 7,1 anos.
É possível que o atraso no diagnóstico de algumas pacientes se deva à variabilidade fenotípica, de modo que aquelas sem dismorfismos evidentes sejam diagnosticadas mais tarde. Além disso, a experiência clínica mostra que muitas mães, ao buscarem atendimento médico para suas filhas com queixa de deficiência de crescimento, atribuem esta à história familiar de baixa estatura, principalmente materna.
Como metodologia, foram analisadas 35 pacientes com idades variando de zero a 32,6 anos (média de 11,8 anos), diagnosticadas de 2004 a 2007 no ambulatório do Grupo Interdisciplinar de Estudos da Determinação e Diferenciação do Sexo (GIEDDS) do Hospital de Clínicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Dentre elas, foram incluídas no estudo 29 com mais de dois anos, uma vez que as lactentes costumam ter apresentação clínica diversa das demais, com predominância de sinais como linfedema de mãos e pés, excesso de pele no pescoço e cardiopatias mais graves, sendo outros sinais dismórficos menos evidentes nessa faixa etária. Das 29 pacientes, sete tinham cariótipo 45,X, quatro 45,X/46,XX e as demais apresentavam aberrações estruturais de cromossomos sexuais com ou sem mosaicismo com linhagem 45,X.
Foram obtidos, retrospectivamente, os seguintes dados por meio da análise dos prontuários: antecedentes pessoais (doenças cardiovasculares; hipotireoidismo; infecção de trato urinário de repetição e/ou anomalias renais); dados familiares (escolaridade dos pais classificada em ≤8 ou >8 anos de estudo, estatura materna classificada em escore Z, recorrência familiar de baixa estatura e número de irmãos classificado em 0-2 e >3); exame físico do paciente (estatura da paciente em escore Z e sinais dismórficos selecionados entre os mais evidentes ao exame clínico e/ou mais característicos da ST, como ptose palpebral, estrabismo, pregas epicânticas, pescoço alado, peito escavado, linfedema residual no dorso dos dedos/artelhos, cubitus valgus e nevos pigmentados). A média de idade ao diagnóstico das pacientes que compõem esta amostra (11,8 anos) é mais elevada que a observada atualmente em outros países: 7,7 anos nos Estados Unidos e 6,6 anos na Bélgica.
Mesmo assim, entre pacientes norteamericanas, constatou-se que o diagnóstico da ST foi feito em média, 5,2 anos depois que a estatura encontrava-se abaixo do 5º percentil na curva de crescimento.
Na prática diária, em nosso meio, é comum o diagnóstico de pacientes com ST já adolescentes ou mesmo adultas, nas quais a baixa estatura havia sido percebida pela família desde a infância, mas que foram encaminhadas para avaliação somente quando o atraso puberal já era evidente. É possível supor que o atraso no diagnóstico, ou seja, seu estabelecimento apenas após a manifestação de atraso puberal, seja ao menos em parte decorrente de características das próprias pacientes e de suas famílias.
Conclui-se que, nesta amostra, o diagnóstico precoce da ST esteve relacionado mais à presença de algum dos antecedentes mórbidos relacionados a essa síndrome – o que provavelmente determina encaminhamento a serviços de atenção secundária ou terciária – do que à presença de sinais dismórficos. Por outro lado, há indicações de que o déficit de crescimento menos evidente, a dificuldade por parte dos médicos em reconhecer anomalias sugestivas dessa síndrome e determinantes socioeconômicos contribuam para o atraso no diagnóstico.
A redução na idade ao diagnóstico da ST em nosso meio dependerá, portanto, não só da ampliação e melhoria do serviço de atenção básica à saúde, mas também do aprimoramento da formação médica – particularmente do pediatra – para reconhecer o espectro de manifestações clínicas dessa síndrome, incluindo sinais dismórficos, anomalias viscerais congênitas e condições adquiridas. É fundamental, ainda, ampliar os serviços de genética no país, tornando possível a análise cromossômica rotineira de meninas com baixa estatura de origem indefinida, como sugerido por vários autores em consensos nacionais e internacionais.
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