quinta-feira, 2 de junho de 2011

Gincana de Genética - Tarefa 3

Fichamento 6


GARRAF.V. O DIAGNÓSTICO ANTECIPADO DE DOENÇAS GENÉTICAS E A ÉTICA.Artigo publicado originalmente na Revista O Mundo da Saúde, São Paulo - SP, v. 24, n. 5, p.424-428, 2000 – Republicação autorizada pelo autor.

É impressionante o volume de produção científica e de novas informações sobre BIOÉTICA provenientes dos quatro cantos do mundo. A quantidade de novos projetos de pesquisa, ensaios, artigos, revistas científicas e livros oferecidos pela Internet e por outros meios de comunicação é crescente. Apesar de situações bioéticas persistentes (como o aborto e a eutanásia) continuarem dividindo o mundo em posições opostas e quase inconciliáveis, e em que pese as novas técnicas reprodutivas terem ocupado os principais espaços da mídia internacional na década passada (no que se refere às situações bioéticas emergentes), a pauta bioética do início do século XXI aponta dois temas que concentram a preferência das atenções dos pesquisadores, estudiosos, grande imprensa e demais interessados na matéria. Os temas são: a genética (incluindo o projeto genoma humano), pelo lado das novidades; e, surpreendentemente, a saúde pública e coletiva, pelo lado dos velhos problemas que - se o atual estado de coisas permanecer inalterado - não serão resolvidos tão cedo de modo satisfatório pela inteligência humana.
Hoje, a distância entre os excluídos e os incluídos na sociedade de consumo mundial - tanto quantitativa quanto qualitativamente - é maior que em 1978. Enquanto os japoneses vivem aproximadamente 80 anos, em média, em alguns países africanos, como Serra Leoa, Burkina Fasso ou Malawi a média mal alcança os 40 anos. Um brasileiro pobre, nascido na periferia de Recife, no Nordeste do Brasil, vive aproximadamente 15 anos menos que um pobre nascido na mesma situação na periferia de Curitiba ou Porto Alegre, no Sul. O usufruto democrático dos benefícios decorrentes do desenvolvimento científico e tecnológico, portanto, está muito longe de ser alcançado. Esta é a dura e crua realidade:quem tem poder de compra vive mais, quem é pobre vive menos. E a vida passa a ser um negócio rentável para uns, inalcançável para outros... A saúde é substituída pela economia e suas teorias mirabolantes, em um mundo comandado pelo fundamentalismo econômico.
Nesta altura do presente artigo, alguns leitores poderão estar se perguntando: o que tudo isso tem a ver com a engenharia genética e com seus testes preditivos? Tudo! Apesar da ausência esperada dos Estados Unidos, um conjunto de mais de 80 países - com o apoio da Unesco - firmou em 12 de novembro de 1997 a Declaração Universal do Genoma Humano e dos Direitos Humanos (2) onde, para o presente tema, alguns artigos merecem ser pinçados. O artigo 5º, por exemplo, diz que nos casos de "Pesquisas, tratamento ou diagnóstico que afetem o genoma... é obrigatório o consentimento prévio, livre e esclarecido da pessoa envolvida", além de que "será respeitado o direito de cada indivíduo decidir se será ou não informado dos resultados de seus exames genéticos e das conseqüências resultantes". O artigo 6º cita ainda que "ninguém será sujeito à discriminação baseada em características genéticas que vise infringir ou exerça o efeito de infringir os direitos humanos, as liberdades fundamentais ou a dignidade humana". Apesar do tema ser novo e dos testes genéticos terem sido introduzidos com segurança apenas recentemente, os dois artigos citados já vêm sendo freqüentemente desrespeitados em variadas situações, em diferentes países.

Desta forma, os testes preditivos passam a ir além dos procedimentos médicos, criando verdadeiras categorias sociais, empurrando o indivíduo para quadros estatísticos.
Os problemas sociais são reduzidos às suas dimensões biológicas. As doenças mentais, a homossexualidade, o gênio violento ou o próprio sucesso no trabalho, são atribuídos à genética. As dificuldades escolares - antes explicadas pelas desigualdades culturais ou nutricionais - são hoje imputadas a desordens psíquicas de origem genética, excluindo quase completamente os fatores sociais com elas relacionados. Após testes pré-natais, companhias seguradoras ameaçam não cobrir as despesas médicas de uma criança cuja mãe teria sido alertada que um dia esta criança seria vítima de um problema genético. Entre números, estatísticas e exames, os empregadores já se valem de testes para previsões orçamentárias em longo prazo. O indivíduo - cidadão passa a ser desconsiderado e criam-se “categorias de indivíduos", os pacientes/coletivos da nova medicina. Mesmo na ausência de sintomas, o risco genético é endeusado como a própria doença. Assim, já existem registros de recusas para a concessão de empregos em alguns casos, para a obtenção de carteira de motorista ou para inscrição no seguro-saúde.
Concluindo, devo dizer que o controle social sobre qualquer atividade de interesse público e coletivo a ser desenvolvido, é sempre uma meta democrática. Nem sempre ele é fácil de ser exercido. No caso da bioética, da genética e, especificamente, dos testes preditivos, a pluri-participação é indispensável para a garantia do processo. O controle social – por meio do pluralismo participativo - deverá prevenir o difícil problema de um progresso científico e tecnológico que reduz cidadão a súdito, ao invés de emancipá-lo. O súdito é o vassalo, aquele que está sempre sob as ordens e vontades de outros, seja do rei ou de seus opositores. Essa peculiaridade é absolutamente indesejável em um processo no qual se pretende que a participação consciente da sociedade mundial adquira papel de relevo. A ética é um dos melhores antídotos contra qualquer forma de autoritarismo e de tentativas de manipulação.

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